sexta-feira, 14 de setembro de 2012



Neste instante posso ouvir cada pequeno barulho vindo da rua. Apesar de ser tarde da noite ainda há pessoas caminhando em silêncio, acompanhadas pela lua.
Meus ouvidos tentam captar todos os sons, mas meu corpo foi tomado por uma onda de paz, e meus olhos que de tão embriagados por este aroma, agora se fecham para esse mundo cético em que habito.
Meu espírito voa. Atravessa paredes, toca nuvens, e dança melodicamente os sons da noite. Sinto que estou sendo levada para um lugar ainda desconhecido, mas não sinto medo. Deixo que o vento leve-me até onde ficam as memórias mais resguardadas do passado.
Estou em um quarto, mas não consigo me enxergar, porém meus olhos observam tudo com clareza. A cama desarrumada, o abaju ainda ligado, e uma jarra de água pela metade. As paredes de cores calmas e tristes, e folhas. Milhares de papeis soltos pelo chão, e todos completos de uma caligrafia marcante.
Caminho por aquele cômodo sem vida, tocando meus pés na textura dos papeis, até que meus olhos a encontrou.
Seria ela a dona de todo esse sofrimento?
Aproximo-me, mas ela parece mergulhar em um universo restrito a tudo e a todos. Seu vestido aparentemente elegante está totalmente repleto de barro, juntamente com suas mãos que parecem firmes ao segurar um antigo livro. O Vento que invade o quarto faz bagunçar ainda mais aqueles enormes cabelos negros. E ela continua prisioneira dos seus próprios devaneios, talvez apenas a espera que eles um dia possam levá-la para longe de tudo que nunca de fato lhe fez bem. 

quarta-feira, 12 de setembro de 2012


Clarice...
Sabe quando as palavras explodem em sua cabeça como diálogos de dois amigos em uma tarde nublada de maio? Foi desta forma que meus pensamentos ficaram quando num daqueles impulsos vitais eu quis lhe escrever. A principio não soube ao certo como expor minhas palavras (e talvez ainda não saiba), mas então percebi que escrever é uma das poucas coisas nas quais deveríamos deixar o impulso nos levar, então eu permito, Clarice, que assim como os ventos levam às ondas de encontro à praia as palavras possa levar-me até o mais intimo da minha alma, fazendo com que as flores dos meus silêncios desabrochem.
Há pouco ouvi soar o sino da igreja em três longas badaladas, e pude então recordar de tuas palavras:
“Às três horas da tarde sou a mulher mais exigente do mundo. Fico às vezes reduzida ao essencial, quer dizer, só meu coração bate. Quando passa, vêm seis da tarde, também indescritível, em que fico cega.”
Tenho convicção de que agora –enquanto me deleito na xícara de café e em tua carta- o seu pequeno coração bate. Mesmo que os fatos me mostrem o contrário, eu continuo crendo em tuas palavras, e mais ainda, creio que agora o teu coração vive com a mesma liberdade daqueles pequenos pássaros que voam sem destino.
Não sei ao certo quando, mas algum dia estas palavras chegarão até suas mãos, e Clarice Lispector enfim saberá que vive eternamente dentro de mim. 

terça-feira, 11 de setembro de 2012



Solidão tire de mim essa sensação ruim que agora carrego no peito, e me faça acreditar que todos dizem a verdade, e não que estou dispersa em um mundo de mentiras, onde meus olhos só conseguem enxergar a farsa de pessoas tão contraditórias a meu ver.
Solidão, ignore a dor que agora sinto, e amenize a sensação de exílio. Permita que meu ser acostume-se a ouvir apenas os cantos dos pássaros, e as vozes sussurrantes que me velam nas madrugadas. Que eu aprenda a viver como se os dias tivessem sido sepultados, e que a angustia da monotonia se transforme na inspiração dos meus pobres versos.
Quero novamente acreditar que na solidão posso conhecer o mundo, e que no exílio eu me descobrirei. E só assim, acreditando no impossível, suportarei viver meus dias como quem espera o descanso eterno dos mortos.

Ultimamente ando tão silenciosa com relação a determinadas situações, que muitas vezes me pego a pensar que essa vontade de estar assim uma hora me fará mal. Às vezes tenho uma enorme vontade de poder desabafar com alguém, quem sabe até falar dos meus devaneios como quem conta uma triste história de decepção, mas então sou tomada por um pensamento de que novamente não conseguirei expor meu declínio para outros ouvidos que possam então testemunhar o que me acontece. Acho que esse silêncio que venho alimentando conforme os dias passam, agora é tão imenso e abrangente que não há como  dominá-lo, ou voltar a ter confiança no seres humanos. Tenho medo, sim. Um enorme pavor dessas paredes que me parecem mais próximas a cada anoitecer, deste chão cinza e frio que me toca os pés. E até de todos os livros que agora já não consigo ler.
Tenho visto lágrimas escorrerem por minha face constantemente, e muitas vezes involuntariamente. Choro por não conseguir escrever os meus sentimentos, e tudo que sinto aumentar tão rapidamente dentro do meu peito. Choro por essa dor que não passa, e pelo passado que me bate a porta apenas para me fazer relembrar de todas as coisas que perdi. Ou que de fato jamais me pertenceram.  
Sou um ser totalmente repleto por as tristezas que o silêncio esconde por trás de todos os sorrisos que meus lábios mostram. Alguém que tem a alma distante, e que muitas vezes esquece-se de chamá-la novamente para habitar o seu corpo. Sou todas as complicações deste mundo aparentemente correto. Um mundo no qual jamais foi o lugar para o meu espírito residir. 

domingo, 9 de setembro de 2012


-Já não consigo escrever!- Disse por fim, encostando-se nos enormes troncos de um antigo carvalho, aninhando-se nas folhas secas que cobriam o chão. O homem que estava ao seu lado permanecia intacto ao seu silêncio quase materializado. Possuía os olhos fixos no horizonte com cores de um belo fim de tarde. Ao longe se era possível ouvir os cânticos dos pássaros que exaustos de um longo dia procuravam  descanso para seus pequenos corpos. O vento era o único som que ambos podiam ouvir naquele momento.
-Não me dirá nada?- Questionou a mulher de olhos tristes e distantes.
-Estou procurando entender o motivo pelo qual você afirma não conseguir escrever – Respondeu o homem de vestes longas e negras.
-O mundo não me proporciona nada que possa ser escrito! Aos meus olhos tudo parece um eterno preto e branco, e minhas mãos não ultrapassam essas grossas camadas de cores sem vida!-
Ao ouvir aquelas palavras o homem voltou ao seu silêncio. Seus olhos captavam cada detalhe do  fim de do dia e o começo de uma nova noite. –Eu vendo observando um enorme problema na humanidade! Todos querem a sabedoria da forma errada, e só sentem-se totalmente satisfeitos quando afirmam serem donos da situação, e assim pensam que podem lhe dá com o mundo a sua volta. Isso faz com que o espírito que habita nosso interior murche, pois não conseguirá sentir o prazer das descobertas que o universo nos proporciona. Você afirma não conseguir escrever, e ao falar isso inconscientemente está afirmando não poder evoluir mais, e acreditemos, todos nós evoluímos até o ultimo segundo de nossas vidas. Somos como esse carvalho, crescemos tão lentamente que muitas vezes nem notamos. Até que de repente ultrapassamos tudo o que jamais pensamos em conseguir alcançar. Tornamo-nos grandes, e o tempo ajudou-nos a fixar nossas raízes no chão.
A escuridão já tomava conta do lugar quando o homem acendeu o lampião, deixando que a luz amarelada invadisse por completo o lugar onde estavam.
- Então se estou evoluindo como diz, por que será que aos meus olhos tudo parece monótono e sem vida?-   
-Por que a vida está dentro de você! Talvez agora ela se encontre presa em alguns dos tantos becos do seu coração. E você só poderá encontrar sentido nas coisas ao seu redor quando se descobrir novamente-
O homem de palavras sábias foi aos poucos deixando o carvalho, e caminhando em direção a escuridão. Enquanto ela permanecia no mesmo lugar observando a noite que de tão silenciosa parecia sussurra-lhe confidencias. E foi aos poucos compreendendo que para viver era preciso entender o silêncio de cada ser que habita o universo, e que o espírito na maior parte das vezes necessita desta solidão para encontrar-se com a sua própria essência. Ela então entendeu que nunca deixou de evoluir, mas que apenas deixou que a monotonia apoderasse dos seus dias. E foi então que depois de tanta relutância  suas mãos ainda tremulas tocaram uma folha de cores gastas juntamente com uma pena, e aos poucos foi recomeçando a ouvir o que a solidão tinha a lhe dizer, e registrando com palavras toda a grandiosidade do mundo.